quinta-feira, 28 de abril de 2011
Matéria bruta
O fato inegável destas antigas ruas e suas casas,
Das bocas de lobo e suas encostas de cimento e flores,
Daquele paralelepípedo fora do lugar,
Daquela farmácia de paredes descascadas.
O fato esmagador dos andares daquele prédio,
Dos andares daquele bêbado,
Do escárnio contra o andar do bêbado,
Da vertiginosa altura do prédio
O fato da dor daquela moça,
Do fingir sorrir daquela moça,
Do consentimento para com o seu sofrer,
De toda dor que há no mundo no outro lado do seu mundo
Nada disso importa.
Não passa de matéria bruta
Que converto nestas palavras que dizem tanto,
Mesmo sendo absolutamente nada...
segunda-feira, 25 de abril de 2011
Chica severina
Em memória a minha vó chiquinha
Chica severina descendo a ladeira,
Trouxa de roupa na cabeça,
Cinco filhos pra criar
Na terra dos currais,
Onde o mar é um sonho
Chica severina olhos azuis de perdição
Esfregando roupa e sofrimento
No açude eternamente dourado
Cantando, falando consigo, remediando o tempo.
Chica, o tempo brinca e tem horas que eu te vejo
Debulhando o terço na sala de casa.
O tempo concede esta graça de te ver, minha vó,
De cheirar teus cabelos macios e louros, sentir a palma
Da tua mão sobre minha cabeça a me abençoar.
Brinca de vai e vem, Chica, que nessa ciranda a gente se dilata
Sem saber o que é realidade ou memória,
O que é saudade ou visão.
Vai, minha velha, e volta logo.
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