domingo, 27 de março de 2011

Libidinoso

 A fumaça impregnada no ar, uma stripper fazendo gestos obscenos e um monte de gringos safados aproveitando mais uma noite nesta cidade de noites quentes.

- Uma dose de uísque, por favor.

Silenciosa e decidida ela se aproximou

- Posso me sentar
- Faça o que você quiser
- Te olhei de longe e te vi tão sozinho
- Pois é...
- Você é professor?
- Pareço com um professor?
- Parece
- Então o sou
- E você?
- Não. Posso pedir algo pra beber?
- Fique à vontade – Nas circunstâncias, mais à vontade parecia impossível.
- Então...
- Você é novo por aqui, não é?
- Sou
- E você – Pergunta mais idiota não poderia existir. Disfarçou então.
- Sou. Estou só de passagem. Amanhã estou de partida.
- Ótimo!

A garçonete se aproximou dela, cochichou em seu ouvido e saiu.

- Olha, ela me disse que tem um quarto desocupado. O que você acha de irmos para lá?
- Tudo bem.

A ousadia de chamar aquilo de quarto era a mais absurda das afirmações que alguém poderia fazer. Um vão sujo, um colchão mais sujo ainda, lençóis usados e jogados no chão: um lugar agradável para a indecência que iria ocorrer. E ocorreu. 15 minutos, muitas mentiras e nada mais.

- Foi ótimo – Elas sabem o que dizer para seus clientes.
- Você gostou?
- É... O uísque estava bom.
- Então...
- Tá. Olha aqui seu dinheiro
- Obrigada!
- Aqui tá meu número. Liga quando tiver afim de novo.
- Obrigado!

Amassou o papel no bolso, pegou o carro e dirigiu para longe dali, deixando para trás todas as ilusões de uma fantástica noite luxuriosa e libidinosa, pensando se teria a mesma coragem a algum tempo atrás. Então sorriu de toda sua ingenuidade e casta pureza agora perdidas, e compreendeu o quão era prazerosa esta sensação. 

Os infelizes vagabundos mal entendiam aquelas gargalhadas que viam daquele carro, que estranhamente circundava sem destino pelas ruas da cidade.

Da vida e dos chicletes: coisas sobre o tédio de domingo

Não existe coisa mais irritante que o tédio. É assim que me sinto nessas sobejas horas do domingo. Tédio, puro e agre Tédio. E não importa se o sábado tenha sido bom, o domingo à tarde sempre será assim. De onde vem essa sensação tão incômoda. Serei apenas eu que a sinto? Com certeza não. Tudo isso me remete as palavras de um amigo psicólogo – mais amigo que psicólogo – “Queremos felicidade sempre. Sempre”, diz ele. Talvez ele esteja certo, queremos felicidade eterna e nos apartamos da tristeza. Afinal, somos doutrinados para isso: ser felizes, jovens para sempre, eternos.

No entanto, “Não existe só felicidade, como não existe só tristeza”, insiste meu amigo. E novamente as palavras dele fazem bastante sentido para mim. Isso me remete a um conto de Clarice que li em minha adolescência. Neste conto, a escritora faz uma analogia interessante entre a eternidade e a agonia de se mascar um chiclete que perdeu o gosto. Qual o gosto da vida, amigos? Se eu fosse escolher um chiclete que representasse a vida eu escolheria aquele bem antigo. Lembra daquele chiclete de dois sabores? É... A vida tem dois sabores: “nem só tristeza” refrescante e o “nem só alegria” intenso. Sabores interessantes, não?! Bem, uma coisa é certa: o fato de eu desprezar tanto o tédio do domingo me faz pensar que até hoje em minha vida eu só tenha provado de um sabor. Está na hora de provar novos sabores? Não sei. Ah! Tô muito entediado pra pensar nisso agora.

Walzen

Ela surgiu sem nome
E do nada pegou minha mão,
E do nada me tirou pra dançar

Os passos eu não sabia - e ainda não os sei -
No entanto, ela me guiou com paciência
Pelos deslizes, giros e cortesias.
Dancei então.

Agora o pé falseia tentando imitar o rítimo,
Cantarolo desajeitado aquela melodia.

A primeira dança não se julga, nem se despreza,
Lembra-se com doce afeição.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O tempo brinca comigo

à minha doce prima Ruze


Ruze é uma rosa.
Me ensinou a apreciar o tempo,
Me ensinou a ler as horas
Naquela manhã ociosa de verão.

E o tempo, outrora brinquedo,
Hoje brinca comigo.
Desfaz rostos, nomes, paixões e melodias.

Ruze me ensinou a ler as horas
E as horas me ensinaram a olhar o tempo
O tempo me ensinou a esquecer as coisas
Me ensinando que as coisas se vão com o tempo

quarta-feira, 23 de março de 2011

A pedra

A pedra que me atiraram era bem polida,
Redonda e límpida, alva e quente.
Agora tingida de rubro incandecente,
Carrego a pedra como coisa contida.

Mas tarda sarar tal ferida
Que teima estática como a pedra,
Que comtém segredos de voo e queda,
Deixando à nudez a altivez destemida

terça-feira, 22 de março de 2011

à influência da lua

No fim desta avenida a lua,
Imensa com suas lembranças e cores
Clara e escura ao mesmo tempo:
Arrebatadora atração

E ao seu encontro vou
Com estes mesmos pés
Que me guiam por esta avenida sem fim:
Engodo que sempre me atrai

Vem que eu não paro de ir
Vem que estes pés já não são meus...

segunda-feira, 14 de março de 2011

Cinzas da quarta-feira

O tragicômico se anuncia
Do sobejo das cinzas desta folia,
Pois hoje completam-se alguns dias
Que de trevas se atrevem meus dias

Mas de teima ouço cantorias
Levanto, sacudo a poeira...
E não torço o braço à agonia
Pois tudo há de ser uma doce nostalgia

Sei que tudo acabou,
que o povo sumiu
e que a noite esfriou...

Mas a incoerência faz parte desta vida.
Hei de cantar e sorrir.